segunda-feira, 6 de novembro de 2017

A las cinco en punto de la tarde el camino a ningún sitio

Novembro 2017
(Serra da Lousã)

Depois do tempo seco, as brumas voltaram à serra.
A las cinco en punto de la tarde tinha pedalado até meia encosta. Saíra tarde. O Sol põe-se às 6 mas não resistira ao apelo do cheiro da terra molhada, da mata húmida, dos vapores que a terra libertava, das plantas mortas no chão, dos arbustos e das árvores. Que se lixe, é tarde mas vou à mesma. Logo verei.

A las cinco en punto de la tarde a noite caía e com a noite um nevoeiro denso assentou por ali arraiais.
Pedaladas numa solidão intensa, um silêncio abafado pelo nevoeiro, o corpo contraído pela atenção.

It was dark and I did not go home. A perfect day


I took the road to nowhere




A escuridão caía rapidamente. A que a noite trazia era previsível. A que o nevoeiro acentuava não. Não iria haver lusco-fusco. Contava com isso mas a transição iria ser rápida; agora é dia, 5 minutos depois será noite. O apelo da serra tinha apagado a meia dúzia de neurónios que me iam alertando para a necessidade de voltar para trás. Mais abaixo não há nevoeiro, volta para trás enquanto podes. Mas, depois, parava, olhava à volta e ficar por ali mais uns momentos era uma apelo irrecusável. Via a situação como um privilégio.







Mas estava tenso. O silêncio intensíssimo, indescritível, quebrado aqui e ali pelo agitar das folhas, por um ramo que caía, um som de folhas pisadas (ou não?, animais por ali?), e não via a ponta de um chavelho à frente do nariz. Cada vez mais escuro e eu sem luzes na bike.






O que vais fazer pá? Voltar para trás? Pelo estradão de terra? Ainda há alguma luz mas e os buracos, as pedras, os paus ... ainda dou um malho ... talvez a melhor hipótese seja tentar atingir a EN236. Conheço-a bem, cada curva, o piso asfaltado é mais seguro ... mas isso quer dizer que tens que subir mais uns 2 ou 3 Km pá, só a consegues apanhar lá mais acima e subir 2 ou 3 Km leva tempo e nesta altura cada minuto conta e, além disso, quanto mais acima mais cerrado estará o nevoeiro, ah, é verdade!, hoje há Lua cheia, pois é, a Lua levanta-se ao começo da noite, posso apanhar mais nevoeiro mas a luz da Lua fará do nevoeiro um céu cheio da luz difusa e, mal desça alguns Km, o nevoeiro dissipa-se (ah ah ah ah ah diz-me a meia dúzia de neurónios que formam a estrutura que gera o bom-senso) e ainda vou fazer uma descida da serra belíssima sob a luz da Lua cheia. É isso. Continuo a subir e apanho a EN236 no cimo da serra.


Pedalei em força, o mais rapidamente que pude. Tenho que ter cuidado, os animais nestas condições andam mais à vontade e eles andam por aí. Posso chocar com algum. Grito, se me aparecerem à frente da roda, grito: sssshhhhôôôôôôô.



Levantou-se vento. De vez em quando, ao passar por baixo de ramos dos altos cedros, o vento sacudia os ramos carregados de gotas de água em cima de mim. Uma chuveirada que me agradava.
Cheguei ao cimo. Estava a cerca de 1000 m de altitude e a 18 Km da vila. A estrada de alcatrão molhada tinha um brilhozinho que me permitia ver uns metros. Talvez 2 ou 3 comprimentos da bike. Fui indo. Percebi que o equilíbrio em cima da bike nas curvas no meio da escuridão é instável, como que uma vertigem. O diabo é se há animais no meio da estrada. A pé? Com este sapatos com encaixes de metal nunca mais lá chego. Com alguma sorte passa um carro, vem devagar, concerteza, e eu aproveito a luz mas nada, nem um. Quem é que se iria meter na serra com uma noite de lobos destas? Seguia contraído, devagar, sempre a travar, curva à direita, ah pois é agora estou a passar junto aos carvalhos grandes, curva à esquerda, pois, agora aqui é o riacho e a fonte que alguns, erradamente, chamam de fonte fria. Um peso no peito e o nevoeiro que não se ia embora. Parecia que não vinha ali, que estava num filme. Tudo me parecia irreal. Apenas os "imbalanços" ao curvar na bike me diziam que estava ali.  Às tantas, faço uma curva e uma grande alvoroço; 2 ou 3 veados, cada um a correr para seu lado, apanhados de surpresa, no meio do nevoeiro e da noite, aparece-lhes ali um vulto silencioso, lento mas suficientemente rápido para quase chocar com eles ao desfazer a curva. Os veados têm trilhos na serra (percebi isto há algum tempo: eles vão fazendo trilhos que depois usam para se deslocar) que, por vezes, cruzam a estrada asfaltada. Um deles derrapou à frente da roda dianteira da bike, correndo numa direcção para logo dar meia volta e fugir para o outro lado. Subiram todos pela barreira do lado direito. Eu levei um choque adrenalínico brutal, nem parei, foi tudo num instante, tive um arrepio pelo corpo todo, pêlos eriçados, caraças tinha que acontecer. Nem percebi bem o que se passou. Ver os corpos grandes ali à minha frente, em movimentos rápidos, nem sequer sei se travei ... na memória tenho apenas "fotografias" do que se passou, não tenho o "filme". Ou melhor, tenho o filme dos acontecimentos mas com espaços em branco. Como num sonho, em que não ligamos acontecimentos numa sequência temporal.

Mais abaixo já não havia nevoeiro. Pelo menos esta parte do plano estava a correr bem. Mas da Lua nada.  O tecto denso do nevoeiro sobre a serra impedia que qualquer fiozinho de luz o penetrasse. Mas via melhor. Foi quando comecei a sentir frio. Até ali o meu cérebro não se preocupou com frio, tinha outras prioridades (fazemos isto no dia a dia: uma coisa que nos preocupa é tamponizada por outra de maior gravidade, há uma hierarquia na consciência que, provavelmente, imposta pela Evolução, é útil à sobrevivência). Sentia o frio nas mãos e nos pés.

Cheguei ao Candal, a única aldeia na EN236.  Luz (durante 100 m).


Só faltavam 11 km até à vila.

Direita, esta é a curva do depósito de água, esquerda ... direita ... ao aproximar-me da vila, quando comecei a ver as luzes ao longe, percebi que tremia quase descontroladamente, e não era (apenas) do frio. Começaram a doer-me os maxilares, devo ter vindo a cerrar os dentes todo o caminho, os ombros e as mãos, colados no guiador, contraídos. Tive que me abanar, respirar fundo, berrar ... para regressar ao estado basal. Já antes tinha descido a serra de noite e sem luz mas nunca em modo tão potencialmente dramático.

Onde ontem (Sábado), a las cinco de la tarde, era assim,




hoje (Domingo) ali, ali perto, a la una de la tarde, era assim





A perfect day

5 comentários:

  1. Respostas
    1. A coisa desta vez foi complicada (se se me atravessavam uns javalis estava lixado) mas, ao mesmo tempo, estar ali, no meio da serra, atravessando a floresta no escuro e sob nevoeiro, naquele ambiente, sózinho, foi indescritível, olha foi magnífico e brutal :)

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  2. Just a perfect day
    I'm glad I read it today
    I'm glad I read it just now
    Just a perfect moment
    It just kept me hanging on...

    Thanks João and Lou!
    :) Maria

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    1. Muito bonito Maria :)
      Hoje, para mim, não foi o caso (a perfect day) mas um dias destes há-de ser !
      João

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    2. Olá João

      O meu dia também não foi perfeito, perfeitos foram os momentos que passei aqui a ler as suas aventuras e a ouvir o Lou Reed.
      Adoro esta canção e apeteceu-me fazer uma adaptação,eheheh.
      Não pensei que encontrasse o comentário tão depressa...
      :)
      Maria

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