domingo, 7 de maio de 2017

Aldeia em ruínas e animais quase extintos

Maio 2017


Já antes, numa curva do caminho, tinha dado com a Silveira-machu-picchu-de-cima-da-serra da Lousã. Desta vez dei com a Silveira de Baixo.
Não estava preparado para o que encontrei.

As Silveiras ficam numa meia encosta em local remoto. A de Cima, ao cimo da encosta, encavalitada num cabeço; a de baixo metida no vale, em baixo. Fazem parte das aldeias de xisto da serra da Lousã que foram abandonadas por volta dos anos 50-60 do sec. XX. Entretanto, umas foram parcialmente reabilitadas (caso do Talasnal e Casal Novo) e parcialmente habitadas- Outras estão em ruínas. É o caso da Silveira de baixo. Já aqui postei sobre uma outra em ruínas, o Tojo de Cima.

Há provavelmente outros posts por aí sobre as aldeias e, apesar de com um pouco de jeito sentir que estava a fazer uma viagem no tempo, não estava preparado para os acontecimentos na Silveira de Baixo.

Ao princípio foi como o princípio em muitas outros encontros imediatos na curva do caminho com as ruínas das aldeias; surgem uns vultos, umas paredes que já o foram, uma geometria feita de regularidades e rectas que contrasta com as silvas e os ramos dos arbustos e as árvores e as pedras e por aí fora. Tudo misturado. Os troncos das árvores a abraçarem as pedras das paredes.



Chega-se pelo lado Sul por um caminho largo e dá-se com uma placa numa árvore



Por cima, pelo lado Norte, há um caminho estreito que fura por entre um carvalhal. Um caminho antigo ladeado por muros de pedra.


Às tantas o caminho abre e leva-nos ao que deve ter sido a rua principal


Encostei a bike e, pé ante pé, literalmente, fui espreitar. Havia por ali qualquer coisa estranha. Tinha a sensação de estar a entrar em algum lado, apesar de à minha volta só haver ruínas. Ainda pensei em sair dali, do meio da serra, um local isolado, sózinho, mas esta mania de caminhar à beira do abismo agarra-se-me à pele.



Havia um largo, ou um cruzamento de ruas, uma coisa desse tipo. Deveria ter sido um local importante na aldeia. Deve-se ter ali cruzado muita gente, muitas ideias e muitos olhares.
Do lado direito, uma porta baixa na parede.


Mais à frente uma outra porta que dava para algum lado



À esquerda uma rua. A vegetação cobria tudo excepto o que parecia ser uma clareira, um ninho? Era estranho.


Saí dali à pressa. Voltei à entrada da aldeia


E foi então que, estava eu a entrar no que me é habitual - o Sol, os caminhos, a aragem a soprar, a planear se sigo por ali ou por além, ora deixa cá ver que horas são, às tantas subo mais um pouco e desço pela Ortiga ... - que tudo começou.
Nunca se está preparado para isto.
Estava a comer a banana quando percebi uma sombra no chão. Móvel e enorme. Não podia ser a sombra de uma nuvem. Percebi que aquilo vinha sobre mim. Um som de asas a bater como se fosse uma onda. Mal tive tempo de agarrar um pau, com o Sol nos olhos não via detalhes, apenas uma sombra.



Pousou no pau. Poderia ter-me atacado mas parecia trazer uma missão. Fitou-me com ar de quem pergunta: que raio andas aqui a fazer? Desaparece pá!  Não era um olhar ameaçador, antes de aviso. Ou melhor, nem sequer chegou a pousar porque levantou de imediato e desapareceu por entre as paredes.

Estava ainda com o pau nas mãos, com a cabeça às voltas quando, paulatinamente, como quem passeia numa marginal e se vai sentar numa esplanada a beber um fino e comer uns tremoços, ele, ou aquilo, passou. Um galossáurio. Ou galinhassauro, não sei bem.
Xô, xôôôôooo ...
Olhou-me de lado, com ar de quem não quer saber o que se passa. E eu ali. Eu é que não sabia o que se estava a passar.


Tudo ocorria rapidamente. Eu mal me mexia e apareciam e desapareciam animais como se fosse um daqueles clips de vídeo da moda em que as imagens passam durante um segundo e quando estamos tentar perceber de que se trata vem outra e assim sucessivamente.

No segundo seguinte, ele assomou à entrada do largo onde eu tinha estado a espreitar. Os olhos transparentes, reflectindo na retina o azul da minha camisola (como os gatos à noite que refletem a luz). Aquele azul, um azul semelhante ao do céu, hipnotizava. Sabia que o pau de nada me serviria caso ele avançasse mas, tal como tinha acontecido nos encontros anteriores, não havia ali ferocidade, antes espanto e desconforto pelo incómodo de ter por ali aparecido um tipo de bike. Eu é que instintivamente usava o pau como se fosse uma arma. Ridículo.


De alguma maneira eu estava a ficar tranquilo. A recuperar o fôlego. Mas percebi que havia ali um plano, um aviso para me por dali para fora e o último actor, esse sim, foi agressivo. Saltou na minha direcção como se fosse um canguru. Ou melhor como um esquilo voador. Aquilo era um aviso para sair dali. Desta vez lutei, quer dizer tentei afugentá-lo, picando-o com o pau e evitando que enrolasse os tentáculos à volta do meu braço. Do polvo é que não estava nada à espera. Aquilo não era verossímil. Os polvos respiram por brânquias. Talvez um polvo primitivo com capacidade para respirar oxigénio através de pulmões, como os caracóis, ou através da pele, como as lesmas.



Assim que me desembaracei do polvo - ou antes, que o polvo se desembaraçou de mim - pedalei dali para fora pelo lado Sul, por onde era melhor o caminho. Assim, afastar-me-ia mais rapidamente. Dei a volta por cima e ainda olhei para trás, para a Silveira de Baixo. Estava tudo tranquilo: Percebiam-se casas em ruínas no meio do matagal. Tudo normal. Pensei: o melhor é não contar isto a ninguém, quem é que vai acreditar?


Talvez um dia volte à Silveira de Baixo.


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