sexta-feira, 29 de abril de 2016

Abril no Açôr - O Adamastor

Serra do Açôr
(Abril 2016)

Plano: Ir nas calmas até à barragem, ficar para ali um bocado extasiado a olhar, parar na fonte para encher o bidão, respirar fundo, olhar de soslaio para as cumeadas lá em cima,  proferir uma imprecação tabernácula e força nas canetas até lá acima aos mil metros. Depois, já com o Adamastor à vista, pedalar por onde me der na gana.

Mal saí, poucas pedaladas adiante, parei para verificações técnicas. É que a bicicleta é o equivalente dos tubarões no meio biológico mas não é perfeita. A evolução quase que atingiu a perfeição ao seleccionar estas espécies. Pouco há a melhorar, estão optimizadas e, por isso, quer os tubarões nos últimos milhões de anos quer as bicicletas nos últimos cem anos permaneceram, em essência, a mesma coisa. Mas, como dizia, apesar da perfeição estruturo-estetico-aerodinamico-funcional da bike, por vezes há furos.


Parei na barragem para apreciar o monolito (seguramente inspirado no do 2001 Odisseia no Espaço do S. Kubrick - e, de facto, pesando bem, parte do filme poderia ter sido feito aqui nestes rochedos) que ali pespegaram. Como é hábito o plano estava a ser seguido à risca ; já devia ir a meio da subida e ainda aqui estava.



Apliquei-me e, num esforço suplementar, rapidamente deixei a barragem não apenas para trás mas sobretudo para baixo. Nas serranias, a sensação de deixar para baixo dá uma vertigem que a de deixar para trás não dá. Dá um certo ânimo olhar para trás e ver lá ao fundo a barragem onde tinha passado.


Mais para abaixo ainda significa que eu estou mais para cima. Como? Que ##"%(#"...?


Já acima do mil metros de altitude (1100 mais coisa menos coisa), sobre a aldeia de Fajão, abre-se para Norte o horizonte.  É aqui, a pedalar nestas cumeadas agrestes, remotas, que se experimenta a indescritível sensação de velejar nas serranias, a essência das pedaladas.


Apanhado o estradão dos aerogeradores para Este e ... lá está ele, o Adamastor do Açôr, o picoto da Cebola aos 1400 m de altitude. Hoje não vou dobrar esse cabo, como fiz já muitas vezes. É preciso tempo e astúcia. Segundo se diz, é o local de onde se avista mais território português, cerca de 25 %. Tenho por aí, no blog, umas fotografias a 360° que o atestam.


E segue-se por ali a levar com o vento que traz os aromas da urze (este ano só agora a florir) como quem passeia nos Champs-Élysées


E vamos lá velejar neste videozinho em direcção ao Cebola. Não sopra a chuva mas bate o vento.


Seguindo o plano à risca nos aspectos técnicos, aproximei-me do gigante


e, uma vez ali tão perto, deu-me na gana virar para ... ora deixa cá ver ... já bronzeei do lado direito e, portanto, agora preciso do Sol a afagar-me as perninhas do lado esquerdo ... viro para Oeste, afastando-me do Adamastor a meia encosta a caminho de Fajão.

Registei parte do percurso (um estradão a cerca de 1100 m de altitude) num vídeo.  O vale do rio Ceira lá em baixo, ainda jovem, acabado de nascer à sombra do Cebola. É um deslumbramento tranquilo. Vai-se por ali fora em estado fundamental.





Parei sobre a aldeia e os penedos de Fajão. Do lado de lá do vale, a cumeada do S. Pedro do Açôr (que pica aos1400m) por onde andei no Verão passado.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Abril no Açôr - barragem Sta. Luzia

Abril 2016
(Serra da Açôr - barragem de Sta. Luzia)

De volta. É essa a sensação nítida, limpa. Tantas pedaladas que por aqui já dei. De volta. E, como de costume, nada está como dantes. Desta vez a barragem está cheia, inundou pinhais em volta e caminhos que fiz noVerão desapareceram.

Hoje era este o caminho para lado nenhum. A road to nowhere, como encontrei já no Alentejo.


Mas as estradas para lado nenhum têm sempre o sentido oposto. São infinitas.


Tinha passado cá em cima mas não era claro se conseguiria contornar a barragem pelos caminhos. Um manto denso de nuvens cobria o planalto da Estrela.
O selim da bike lembra um dos falcões que por ali sobrevoam as matas, olhando para baixo. Um belo desenho o perfil do selim. Tenho cá para mim que o desenho não tem a ver com ergonomias e protecções prostáticas (tal como é publicitado) mas foi antes inspirado nas pombas de Picasso.


Porque é que está ali o pneu, rude e tosco? Para mim há ali uma força telúrica, uma integração na paisagem, percebo bem o pneu a rolar no chão dos caminhos lá em baixo. A agarrar-me ao chão mas, ao mesmo tempo, a impelir-me para a frente e para cima. Talvez só quem ande de bike pelos caminhos da serra perceba isto.


Raramente encontro alguém quando por aqui ando. 


No dia anterior tinha tentado um outro caminho para contornar a barragem mas a água tinha também tomado conta dele. Fiz um pequeno vídeo onde, além do chilreio ambiente, se ouve a força dos pneus no chão. Parei num local mais inclinado. Com o telemóvel numa mão a tentar fazer enquadramentos  torna-se mais difícil levar a bike por ali abaixo.



Mas esta última parte dá uma ideia mais aproximada do que é andar em cima da bike.










segunda-feira, 25 de abril de 2016

Abril no Açôr

25 de Abril de 2016
(Serra do Açôr)

Um dia inteiro e limpo


Ao longe, na linha do horizonte ao centro, o planalto da serra da Estrela com uns farrapos de neve.


Vê-se bem cá de cima, dos penedos. À esquerda, o Adamastor do Açôr, o picoto da Cebola. Andei por lá ontem.



sexta-feira, 22 de abril de 2016

Apanhado pela noite

Serra da Lousã
(Abril 2016)

pela noite e pelo espanto.

Sete e meia da tarde. Hummmm, vai fazer-se de noite num instante. E ainda agora caiu uma carga de água tal que as gotas da chuva faziam ricochete no chão. Ir para a serra com este tempo é capaz de não ser boa ideia. Mas parece que está a abrir além para aqueles lados e deve estar um sossego lá para cima ... 

O percurso foi feito ao longo do vale da ribeira de S. João. É um vale fundo, a ribeira corre lá em baixo e nós vamos cá em cima na estrada. Por regra, a ribeira é "ouvível" mas não visível. Hoje, além do rugido que fazia, via-se. Raros devem ter sido os anos em que se agigantou desta maneira. Há água a correr por todo o lado no vale.

Nos vídeos ali em baixo ao som de fundo da ribeira soma-se, de vez em quando, o de cascatas extemporâneas que se formaram cá em cima na estrada.


(importei para aqui este vídeo do Paul McCartney e aqora que o queria apagar não consigo)


Olha, olha lá esta ela, a ribeira de S. João, e parece estar ali tão perto.
(Medi no Google Earth o desnível neste local e a diferença em altitude da ribeira para a estrada são cerca de 110 m !!!)


A caminho das oito da noite a visibilidade era boa, as condições atmosféricas excelentes (a humidade que se lixe, temperatura à volta dos 12 graus C), não se prevendo percalços de maior. Formavam-se pequenas nuvens da água que evaporava e que subiam pelo vale acima e, depois, pelas encostas mais altas até ficarem por ali em estado estacionário (nem subiam nem desciam, ficavam por ali). É curioso este fenómeno, as nuvens organizam-se em camadas e permanecem a altitudes fixas - isto vê-se bem dos aviões ou de locais na montanha altos.


Pedaladas mais acima e o Sol pôs-se. Encostei a bike. Estava na hora de voltar. O ambiente estava sereno, uns fiozinhos de luz, um chilrear intenso de pássaros, uns belíssimos aromas no ar e ... por aí fora ...


Às oito e tal o céu estava ainda claro - e eu sabia que estamos quase na lua cheia e que, portanto, nunca,  apesar das nuvens densas, escureceria completamente - mas as sombras tinham descido sobre os muros, as árvores e o chão. Com o telemóvel numa mão registei os 2 minutos anteriores à chegada à cascata da estrada. Os últimos raios de Sol espreitavam ao fundo por baixo do manto de nuvens. 


Conheço bem a estrada e a não ser que surgisse algum imprevisto (uma pedra, um ramo, um animal) na estrada a descida correria tranquilamente. Quer dizer, com os sentidos a 150% mas tranquilamente. 
Curiosamente, sentiam-se aromas cada vez mais intensos e doces (flores). Para cima tinha reparado que as giestas estavam a florir mas há também cerejeiras bravas em flor, além de outras árvores e arbustos. E, a esta hora da noite, uma noite húmida mas mais ou menos amena, o ar estava carregado de aromas.


À chegada leva-se com a vista da vila iluminada. Há um certo alívio quando se começam a ver as luzes mas há também uma certa pena de a descida às escuras (feita quase em transe) ter acabado.





quarta-feira, 20 de abril de 2016

Por água abaixo em slow motion

Serra da Lousã
(Abril 2016)

Assim de repente, lembrei-me do modo slow motion. Desmontei da bike mal vi a enxurrada pela parede abaixo e já levava a mão ao bolso de trás onde trago telemóvel quando me lembrei do slow motion. A dificuldade é ver os detalhes no écran do telemóvel. Apesar de levar lentes de contacto, estas só são úteis para ver para além da roda da frente da bike. Seis palmos à frente do nariz. Um metro bem medido. Para ver mais perto tenho uns óculos bifocais para desporto que mandei vir dos EUA e que têm incorporado uma lente de ampliação no lado inferior. É como andar com uns óculos para ler na ponta do nariz com outros de sol por cima. Apesar deste aparato tecnológico (por assim dizer) tenho que fazer uma ginástica de esgares e piscar de olhos para ler as letras pequenas e a colecção das imensas sinalefas que aparecem no écran. Mas, às tantas, lá consegui seleccionar o slow motion.

O slow motion é uma outra interpretação da realidade. Temos a mania que vemos tudo mas, de facto, vemos muito pouco do que nos rodeia. Da luz vemos apenas uma faixa estreitíssima do espectro eletromagnético que nos banha (entre os 400 e 700 nanómetros), aqui à superfície do planeta. Até os insectos vêem no ultravioleta. O número de imagens na unidade de tempo que conseguimos processar também é limitado, E isso é evidente quando vemos imagens em câmara lenta. Nestas ali em baixo, por exemplo, vemos "flocos" de água e espuma a saltar, violentas, a traçar piruetas e percursos estranhos que não apenas os de "por água abaixo" em torrente que se vêem à velocidade normal.

Mas, o mais interessante é que havia mil riachos a esgueirar-se pelos encostas dos vales, contornando as árvores e as pedras grandes que não podiam levar à frente, na enxurrada. Percebia-se o som da água a correr por todo o lado. Quedas de água inventadas (quer dizer, de existência fugaz após uma belas chuvadas porque durante o resto do ano nem uma pinga de água por ali corre), fiozinhos de água tímidos no Verão que se transformaram em valentonas correntes quando o céu desaba na serra.

Resolvi colocar umas músicas para colar às imagens mas, bem "ouvistas" as coisas, parece-me que as duas coisas (imagens e sons) se subtraem, não se adicionam. Em todo o caso pode desligar-se a música e ouvir apenas o rugido da água em slow motion.










domingo, 17 de abril de 2016

Mais Novêmbrica que Abrílica

Abril 2016
(Serra da Lousã)

É um Abril muito Novêmbrico, este, na serra. As florzinhas deveriam estar pejadas de insectozinhos fofos a zumbirem felizes à volta delas, o Sol quente a transformar a cor pálida das minhas pernas, semeadas de pêlos pretos desalinhados, em tons de mel do estilo que se vê nas revistas do jet seis vírgula qualquer coisa ou nas séries de televisão de meninas em bikini e machos com mamas (quer dizer, peitorais)  maiores do que as nádegas, os passarinhos a piarem de árvore em árvore e a ensaiarem rituais de acasalamento mas ...  o dia estava tão pálido como a pele das minhas pernas, havia uma chuva miúda oblíqua que se tornava vertical quando o vento abrandava e era mais ou menos isto mais um friozinho de 8 graus C.

Tanto palavreado e afinal o que queria era mostrar umas fotografias e uns vídeos tirados durante as pedaladas de hoje.

Aos 800m tinha já pedalado bem. Tinha suado bastante sob chuva. Por isso, no caminho inclinado  para este bosque, o resvalar do pneu numa pedra foi um bom pretexto para parar (é que, às vezes, quando se vai por ali acima a pedalar, em esforço, com chuva e frio, apodera-se de nós uma febre que nos deixa em transe e só pensamos em pedalar, pedalar, não parar, pedalar).
Já por aqui vi esquilos noutras pedaladas.


Olhando para o outro lado, com o céu em fundo (e não com o fundo escuro do bosque em fundo), as cores modificam-se e, no entanto, o local e a hora são os mesmos. A incidência da luz modifica as cores e os padrões. É o nosso cérebro a enganar-nos (como quem diz, a enganar-se a si próprio).


altogether now, em vista panorâmica.


Não se percebe nas fotografias mas chovia. Além dos esquilos, já por várias vezes tive encontros imediatos do terceiro grau com veados aqui neste bosque.
Fiz um vídeo onde se vê e ouve a chuva. Perscrutei o limte do bosque, tentando perceber algum vulto fugidio por entre os carvalhos, como já dantes aconteceu mas, desta vez, se andavam por ali não se quiseram mostrar.


Lá mais para cima, percebia-se a instabilidade do tempo. Às vezes abria um pouco mas a maioria das vezes as cumeadas da serra estavam cobertas por nuvens. Estas, entre o cinzento claro e o quase preto, passavam rapidamente.
Às vezes acontece que quando se pedala em condições um pouco agrestes chega-se a um momento em que tudo parece natural. O que em outras circunstâncias nos incomodaria torna-se normal. Olha vem lá chuva! Depois a chuva vem, vamos por ali fora a pedalar para não arrefecer e, às tantas, é como se estivéssemos à beira-mar num dia de Sol, tranquilamente, a passear.  Olha vem lá Sol! E continua tudo normal.
Quando cheguei aos 1000 m o tempo fechou ainda mais, baixou a temperatura e aumentou o vento. Via o Trevim, lá ao fundo, que pica aos 1200 m. A maioria das vezes os meus planos consistem numa ou duas ideias simples: ora, deixa cá ver, subo por aquele lado e depois logo se vê. Outras vezes, coloco objectivos: vou ao Trevim e já volto.


Tinha pensado ir até lá acima, ao Trevim, fazer um vídeo da invernia mas não tinha muito mais tempo. Ia já na expectativa do vento forte e das nuvens vistas por cima a meterem-se nos vales até ao planalto da Estrela e do céu azul para o outro lado, o lado do mar ... Mas, que raio, até para aqui venho com o tempo contado aos cêntimos! Mudança de planos.
Havia um local belo, ali perto, onde passo com frequência. Iria lá dar a volta. Meti-me pela floresta


por onde há uma "not so long and winding road". Como eu gosto desta e de outras long and winding roads. Este tipo extraordinário (Paul McCartney) a fazer música parece que tira o que está a mais num emaranhado de sons, a música já lá estava (como se disse já para alguns escultores).
(aqui numa das primeiras versões, pelos vistos)


cá está, a not so long ...


A invernia tem feito estragos. Sempre fez mas árvores partidas ao meio não é um cenário trivial.  Há qualquer coisa de estranho nisto.



Subitamente, à saída da floresta, o tempo levantou e abriu-se o horizonte sobre o vale da Lousã.  Soube bem apanhar o Sol de Abril quase no cimo da serra depois das pedaladas Novêmbricas pela serra acima.


De resto, durante a descida, o tempo manteve-se mais ou menos bom até cerca de 5 km do final, da chegada ao vale. Apareceu uma sombra negra no céu que, literalmente, varria o horizonte com um lençol de água. Caiu uma carga de água tal que da pala do meu capacete corriam fios de água como num beiral de um telhado. Apesar disso, ainda consegui assobiar singing in the rain.



quinta-feira, 14 de abril de 2016

Padrões na Natureza

9 Abril 2016
(Serra da Lousã - cimo do vale da ribeira da Fórnea)

Agora que penso nisso (na altura, quando vou a pedalar por ali fora, não penso em nada) é como se chocasse com alguma coisa; o que vejo vem-me como um tsunami e obriga-me a parar.

O que eu gosto de olhar as árvores nuas contra o céu branco. O isolamento também ajuda. E a neblina que invade a floresta também. Estou na floresta aos 700 m e sei que não anda por ali ninguém. O dia está invernoso mas tranquilo. Sopra algum vento, ouve-se um canto de pássaro aqui e ali mas o silêncio é quebrado sobretudo pelas rodas da bike sobre as folhas do chão e pela minha respiração.
Estou ao cimo do vale da ribeira da Córnea.

Paro, desmonto, arranjo um pau para segurar a bike (manias, não gosto muito de a deitar no chão) e


só ouço os meus passos. Um ruído intenso que sobressai no silêncio; como se tivesse uns chocalhos nos tornozelos.


Mas parei por isto



mais perto.


Parei pela geometria fractal. És parvo ou quê pá? Paraste pela geometria fractal? Que grande estupidez pá! Estás armado ao pingarelho? Só falta perguntar o que é que as árvores do vale da ribeira da Fórnea têm a ver com os fiordes da Noruega, pá.

Pois é. Parei porque gosto de olhar as árvores.
Mas (ou ainda assim), à medida que olho há uma parte do cérebro que vem com essa ideia da geometria fractal. É que parece ser uma geometria intrínseca à natureza. Aprendi isto há vários anos e a ideia deixou-me fascinado.

Por exemplo:
relâmpagos
(imagem retirada de "wired.com")


montanhas
(imagem retirada de "wired.com")


sistema vascular no cérebro
(de urbanshakedowns.wordpress.com)


 e no olho
(de urbanshakedowns.wordpress.com)





 e no coração
(de urbanshakedowns.wordpress.com)

 
os fiordes na Noruega
(de urbanshakedowns.wordpress.com)



Um neurónio e uma galáxia



e as árvores do cimo do Vale da Ribeira da Fórnea da serra da Lousã


Fica um vídeozinho porque as fotografias reduzem a dimensão do tsunami que nos atinge ao olhar os fractais para isto


E vamos embora antes que caia outra carga de água que já sequei duas no pêlo para aqui chegar.


sexta-feira, 8 de abril de 2016

As falésias neblínicas do Alentejo

Costa Alentejana, Agosto de 2009
Carvalhal da Rocha (Brejão) - Cabo Sardão

Com os anos transformou-se numa clássica: ir ao cabo Sardão e voltar pela falésia, rente ao mar e rente ao abismo. Ao longo dos anos fiz este percurso mil vezes e, como em muitos outros sítios, é como se cada vez fosse a primeira, tal a beleza.

A chegada foi já ao pôr-do-sol. Encostei a bike ao forno. O Sol baixo reflectia no mar aquela luz doce do ocaso que inunda e se insinua por todo o lado de mansinho, como quem não quer a coisa.


À partida,  contrastando com a chegada, a neblina tornava difusa a paisagem, ampliava os aromas do mato rasteiro (mil aromas que há por ali, tenho-os na memória há anos)




 e camuflava o abismo.



Às vezes a neblina levantava e recordava-me a "topografia potencialmente geradora de riscos em função das Leis de Newton que, como toda a gente sabe, resulta do facto de a massa da Terra ser maior do que a do meu corpo somada à da bike e, portanto, eu a bike somos atraídos para o centro do planeta e não vice-versa" (para dizer isto de uma forma poética).


E vai-se por ali fora, sob a neblina e sobre o mar que, muitas vezes não se vê mas se ouve, a pedalar, e é tudo muito real. Nada tem de sonho. Sente-se tudo na pele.




Paro com frequência. Há gaivotas que fazem vôos rasantes à falésia, como esta. E ... olha a bike da altura, pesadona e robusta ! É como estar hoje a olhar para um Fiat 600.


E é tudo imenso


O caminho mesmo ali à beira e o som do mar que por ali sobe faz com que um friozinho se instale em permanência pelas costas acima (pela espinha acima !). E isto é bom. Evita vertigens.



Demoro muito tempo a a fazer uma dúzia de Km. É inevitável parar.






Às tantas percebe-se ao longe o farol do cabo Sardão, elevando-se à medida que pedalo, como se fosse o mastro de um barco que se aproxima na linha do horizonte.



Que sítio este! Olhamos e, sem dar por isso, sai-nos das entranhas: Fooooooooodddddddddaaaaassssssssssssseee!



É um local poderoso, de grande intensidade, de pele arrepiada, este.





 

A volta, pois, há sempre uma volta, foi pelo lado do Cavaleiro, a povoação junto ao cabo.


Mas rapidamente mudei de ideias e voltei pelo percurso da ida. É outro percurso, não é o mesmo. Uma coisa é vir para Norte, outra é ir para Sul. Parece claro.

Quando o Sol abre a paisagem transforma-se


Na volta, ainda espreitei os ninhos de cegonha, 4 em linha pelo penhasco abaixo, mas, nesta altura do ano, os juvenis já voaram do ninho. Já os observei noutros anos, por alturas do início da Primavera, ali no ninho, protegidos pelos progenitores, a levarem com ventanias e espuma das ondas, estas ainda ferozes nessa altura do ano.


Pedalo com frequência nos mesmos sítios. Nunca me canso. São sempre diferentes, todos os dias. Tenho tantas fotografias de pedaladas na costa do Alentejo mas numa área relativamente pequena, entre Aljezur (já Algarve) e cabo Sardão. Tenho que as lançar aqui. Tal como fiz com estas. Estava para aqui, a 450 km de distância destes caminhos, a olhar pela janela e, de repente, atravessou-se-me a memória das falésias na mente. Fui rapidamente à procura de fotografias e as primeiras que me apareceram foram estas, de 2009.
Para além da costa do Alentejo, os sítios recorrentes onde pedalo são as Serras da Estrela, do Açôr e da Lousã. Falésias, montanhas e serranias. Ora, afinal há apenas (como em quase tudo) uma linha ténue que separa o granito da Estrela do mar no Alentejo.

Gosto de chegar ao por-do-sol, de ver a luz refletida no mar e as gaivotas, em bandos, por ali às voltas como quem vai para qualquer lado.