terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A catraia da Ti Joaquina e os caminhos que vão dar a lado nenhum

Serra da Lousã
(Janeiro de 2016)

A Catraia da Ti Joaquina


"Matou a fome a muita gente"- dizia-me muitas vezes um companheiro com quem comecei por ali a pedalar. Dizia-o com um sorriso enigmático. Semanas depois, quando voltava a calhar passarmos pela Catraia, normalmente pedalando em esforço, pois a Catraia marca o fim da subida ao planalto da serra a cerca de 1000 m de altitude, lá se saía ele com a frase que ficava a dançar no ar: matou a fome a muita gente, a Ti Jaquina.

Aquilo intrigava-me pois, sabendo da sua inclinação para a ironia, eu suspeitava que a fome de que ele falava não tinha apenas a ver com côdeas de pão e nacos de chouriço. É um local interessante e enigmático. Facilmente os viajantes, penando pelos caminhos da serra, deslocando-se entre as aldeias (hoje as belas aldeias de xisto mas na altura uns lugares onde, provavelmente, grande parte do tempo era passado a tentar sobreviver), apanhados por invernias e a encontrar ali um refúgio, na Catraia da Ti Joaquina, um lume e um pão com conduto. A Ti Joaquina uma mulher misteriosa, seguramente uma grande mulher.

A casa da Ti Joaquina afasta-se cerca de 50 m da EN236 que liga a Lousã e Castanheira de Pêra, através da serra.


Quem passa distraído nem dá por ela, ali ao fundo


os ramos não deixam ver bem mas, mais dali, mais ao lado, lá está


mais perto


A porta da casa está decorada de ambos os lados com painéis de azulejos, um retratando a Ti Joaquina, o outro um pastor com as ovelhas. Tudo degradado. Tudo uma apagada e vil tristeza.


Mas, na estrada, contrastando com este abandono - um local que, pelos vistos, é um ícone aqui na serra -  na estrada foi colocado um ... como é que hei-de chamar a isto? placa? ... o melhor é mostrar



Imagino a pompa e a circunstância, autoridades locais civis e religiosas, o descerramento da placa, os discursos (aquele monte de pedras ali atrás, meus caros concidadãos, gostaria de o salientar, foi o primeiro abrigo turístico da serra ... e nesta singela cerimónia prestamos uma comovida homenagem à Ti Joaquina que ... bla, bla, bla  ...).  Bom, a catraia da Ti Joaquina (em ruínas mas com uma bela placa a assinalar o local) foi na singela cerimónia transmutada em abrigo turístico. E está-se mesmo a ver que os abrigos turísticos servem para "matar a fome a muita gente" !

Da Catraia (na Lousã, quando falamos na Catraia já sabemos que é a da Ti Joaquina), que se debruça para Sul sobre o vale da ribeira de Alge, partem caminhos de que gosto muito. Caminhos para lado nenhum. Pedala-se como quem veleja em mar aberto, para lado nenhum.
Pode andar-se por ali a pedalar para cima e para baixo, de um lado para o outro, com horizontes magníficos, rente a pequenos bosques com aroma intenso, um local belíssimo.

(E entram os Talking Heads)
Road to nowhere come on inside



... maybe you wonder where you are, I don´t care...


... here is where time is on your side ...


Mas, nestas coisas, às tantas, convém tomar a decisão: pronto vamos embora.
Fui-me embora subindo para a EN236 junto a uma floresta de cedros densa, escura e de aroma intenso.



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